Terrorismo à brasileira
Brazilian-style terrorism

Resumo: Objetiva-se entender o significado do termo “terrorismo” e toda a carga a este inerente, verificando a existência ou não de um conceito de patamar geral. O artigo realizado pretende, também, compreender o contexto do surgimento da lei antiterror brasileira, verificando-se as condutas por ela incriminadas estão em conformidade com elementos básicos, atrelados aos crimes de terrorismo. Os recentes incidentes ocorridos em Brasília esboçaram um conceito de terrorismo à brasileira. O referido vocábulo constitui-se, nas palavras de Heleno Fragoso, em “um dos fenômenos mais inquietantes do nosso tempo, desafiando os governantes e conduzindo os juristas à perplexidade”.
Palavras-chave: Direito Internacional. Direito Penal. Terrorismo. Crime contra o Estado de Direito. Crime contra a democracia.

Abstract: The aim is to understand the meaning of the term “terrorism” and all the inherent meanings, verifying whether or not there is a general concept. The article also aims to understand the context of the emergence of the Brazilian anti-terrorism law, verifying whether the conducts it incriminates are in accordance with basic elements linked to terrorism crimes. The recent incidents that occurred in Brasília outlined a concept of Brazilian-style terrorism. In the words of Heleno Fragoso, the term is “one of the most disturbing phenomena of our time, challenging governments and leading jurists to perplexity”.
Keywords: International Law. Criminal Law. Terrorism. Crime against the Rule of Law. Crime against democracy.

Em 13 de novembro de 2024, deu-se um atentado a bomba em Brasília em frente ao STF protagonizado por Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, que morreu depois de detonar um conjunto de explosivos que estavam junto ao seu corpo. Tentou também explodir a estátua da Justiça.
A materialidade delitiva é complexa, pois há a possibilidade de existir outras pessoas e até mesmo grupos envolvidos o que não foi descartado pela Polícia Federal. O chaveiro morto era filiado ao PL, partido do anterior Presidente da República da ultradireita e, se candidatou sem sucesso a vereador em 2020 em sua cidade natal. Bolsonaro não tardou em chamar o morto de maluco e de afirmar que se tratava de episódio isolado e causados por problemas de saúde mental do falecido.
O Ministro do STF, Alexandre de Morais afirmou logo no início da sessão do STF no dia 14.11. 2024 que não se pode deixar de lamentar e muito a mediocridade de várias pessoas que continuam querendo banalizar um gravíssimo ato terrorista.
Afinal, por questões ideológicas pretendem apenas enxergar um mero suicídio. De fato, o atentado não se revela fato isolado, e nem fora do contexto que ameaça seriamente a democracia brasileira e o Estado do Direito .
Realmente não existe um consenso mundial sobre a exata definição de terrorismo, porém, a lei brasileira é esclarecedora sobre o que pode ou não ser considerado como crime de terrorismo. Invoca-se a Lei 13.260/2016 como a Lei Antiterrorismo que aponta em seu segundo artigo as motivações para que a ação seja considerada como terrorismo. Os gatilhos motivadores vão desde xenofobia, discriminação, preconceito de qualquer espécie, e quando cometidos com o fim de atiçar terror social, político ou simplesmente generalizado.
Recorde-se que a motivação política não consta dentro da definição jurídica de terrorismo. Aliás, tendo em vista os indícios apurados o falecido chaveiro teria atuado em razão de questões políticas e, até ameaçou autoridades além das dependências e monumento dos Poderes Públicos.
Aliás, o referido atentado com motivação política e ideológica pode também ser punido com outros crimes já previstos se existentes. Sob o prisma técnico-jurídico, o ato pode ter sido cometido sozinho ou com ajuda de um grupo o que não faz diferença para a aplicação da Lei Antiterrorismo.
Apesar de não haver uma pacífica definição de terrorismo, há diversos tratados internacionais , nos quais o Brasil é fiel signatário, e assim, concordou expressamente em respeitá-los, aliás o escritório da ONU para Drogas e Crime explicou que a consequência da fata de definição exata para terrorismo justifica-se para que não haja politização e mal uso do termo, mas que as tentativas de se esboçar uma habitual definição de terrorismo são sempre muito criticadas.
Entre esses documentos internacionais, um que tem maior legitimidade, diz a entidade, é uma resolução da Assembleia Geral da ONU — da qual todos os países membros participam e votam — que busca criminalizar uma série de atividades consideradas “atos terroristas”.
A Resolução 49/60 diz que “atos planejados para provocar um estado de terror no público em geral, em um grupos de pessoas ou em pessoas específicas por motivos políticos são em quaisquer circunstâncias injustificáveis, não importando quaisquer considerações políticas, filosóficas, ideológicas, raciais, étnicas, religiosas ou de qualquer natureza que sejam argumentadas para tentar justificá-las.”
Outro exemplo “guia” sobre terrorismo presente em documentos da ONU é a Resolução 1566 (2004) do Conselho de Segurança, que se refere ao terrorismo como:
“atos criminosos, inclusive contra civis, cometidos com a intenção de causar morte ou lesões corporais graves, ou tomada de reféns”;
“com o propósito de provocar um estado de terror no público em geral ou em um grupo de pessoas ou pessoas em particular”;
“intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização internacional a fazer ou se abster de fazer qualquer ato”.
As investigações podem levar à conclusão de que houve um crime de tentativa de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito, previsto no artigo 359-L do Código Penal brasileiro , ao tentar impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais como é o Poder Judiciário e a Câmara dos Deputados”.
Explica-se que o tipo penal (o crime descrito no Código Penal vigente) prevê uma pena de prisão de quatro a oito anos além de uma pena cumulativa pela violência causada, ou seja, o autor responderia — se tivesse sobrevivido — também pelos crimes de explosão e dano qualificado ao patrimônio público.
Em tempos de tantas pautas antidemocráticas, a lei penal tem que ser uma garantia do cidadão, que não pode ser criminalizado por razões de perseguição política”.
O texto informa que a lei não se aplica à “conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.”
Este derradeiro trecho — “sem prejuízo da tipificação penal contida em lei” — significa que, embora manifestantes por direitos não possam ser encaixados na lei, eles ainda podem ser punidos por outros crimes, como dano ao patrimônio público.
No Brasil, o crime de terrorismo é punido com reclusão de 12 (doze) a 20 (vinte) anos e multa. Além disso, a lei prevê punições para quem: Recruta, organiza, transporta ou municiona pessoas para viajar para outro país; Fornece ou recebe treinamento em outro país; Oferece, recebe, obtém, guarda, mantém em depósito, solicita, investe ou contribui para financiar uma organização criminosa;
A lei brasileira define terrorismo como atos criminosos que:
São cometidos com a intenção de causar morte, lesões corporais graves ou tomar reféns; Têm o objetivo de provocar terror no público em geral ou em um grupo de pessoas; Têm o objetivo de intimidar uma população ou obrigar um governo ou uma organização internacional a fazer ou se abster de fazer qualquer ato; São praticados por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.
A Polícia Federal (PF) instaurou inquérito para apurar as duas explosões que ocorreram em Brasília e causaram a morte de um homem na noite de (13.11.2024). O caso é investigado como ato terrorista, segundo informou o diretor-geral da corporação, Andrei Rodrigues.
A Lei Antiterrorismo, em vigor desde 2016, define como ato de terrorismo "usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa".
De acordo com a PF, ele tinha alugado "há vários meses" uma casa em Ceilândia, a cerca de trinta quilômetros do local das explosões.
No imóvel, foram achados artefatos explosivos do mesmo tipo usado na Praça dos Três Poderes. No endereço ligado ao homem em Rio do Sul (SC), a PF apreendeu um notebook e um pen drive.
A Polícia Federal e a Polícia Militar do Distrito Federal passaram a madrugada fazendo varredura na área das explosões. Além do inquérito de terrorismo aberto pela PF, a Polícia Civil do DF também abriu uma investigação sobre o caso.
Antes da explosão em frente ao STF, Francisco Wanderley Luiz tentou entrar no prédio. Ele jogou um explosivo embaixo da marquise do edifício, mostrou a um vigilante que tinha artefatos presos ao corpo, deitou-se no chão e acionou outro explosivo na nuca.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, cumprimentou por meio de nota divulgada em 14.11.2024 "as forças de segurança pública que atuam em resposta à ocorrência de explosões de bombas, na noite de ontem, na Praça dos Três Poderes".
Segundo Pacheco, “o triste episódio que chocou a todos nós e, lamentavelmente, resultou na morte de uma pessoa, demonstra o quanto devemos repudiar e desestimular atos de violência e discursos de ódio em nosso país".
Vários senadores comentaram a ocorrência da noite de (13.11.2024), quando o chaveiro Francisco Wanderley Luiz jogou bombas em direção ao Supremo Tribunal Federal (STF) e morreu vítima de uma explosão que ele próprio provocou. O carro de Luiz também explodiu, nas proximidades do Anexo 4 da Câmara dos Deputados.(Fonte: Agência Senado)
Outro fato desperta atenção: a ex-esposa de Francisco Wanderley Luiz, 59, autor das explosões em Brasília na última quarta-feira (13), teria ateado fogo em si mesma e na casa onde os dois moraram em Rio do Sul (SC).
Daiane Dias, 41 anos, teve queimaduras de 1º, 2º e 3º graus, segundo o Corpo de Bombeiros. Militares foram acionados por volta das 7h para a ocorrência na casa de 50 (cinquenta) metros quadrados na rua Barão do Rio Branco, no bairro Budag.
Hospitalizada em estado grave. A mulher foi retirada da residência por pessoas que passavam no local e depois "foi atendida, estabilizada e conduzida ao pronto-socorro" do hospital regional, informaram os bombeiros.
A Polícia Civil ainda investiga a autoria e as responsabilidades do incêndio. A principal hipótese é a de tentativa de suicídio por parte de Daiane. "Segundo o que foi até então apurado, a ofendida, de 41 anos, adquiriu produto inflamável no amanhecer de hoje em um estabelecimento comercial da cidade, em seguida se deslocou até sua residência, local dos fatos, e provocou o incêndio tendo permanecido no interior do imóvel", explicou o delegado Bruno Reis, responsável pela investigação.
A agentes da PF em Santa Catarina, a ex-mulher de Francisco Wanderley Luiz disse que o principal alvo era o ministro do STF.
A definição legal do crime de terrorismo no Brasil é a de condutas criminosas que visam provocar terror social ou generalizado, e que são motivadas por xenofobia, discriminação ou preconceito.
A legislação brasileira também considera terrorismo, a saber: O uso ou ameaça de uso de explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
A sabotagem ou apoderamento de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, entre outros;
O atentado contra a vida ou a integridade física de uma pessoa;
A Constituição Federal brasileira vigente equipara o crime de terrorismo aos crimes previstos na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8072/1990) .
A Lei 3.283/2021, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), tipifica como atos terroristas as condutas praticadas em nome ou em favor de grupos criminosos organizados.
Conforme entende Renato Brasileiro de Lima, o termo terrorismo está, atualmente, “na moda” (LIMA, 2017). Sua origem remete ao latim, derivando precisamente dos termos terrere (tremer) e deterrere (amedrontar), tendo sido utilizado pela primeira vez durante a Revolução Francesa (PRADO; CARVALHO, 2018).
Àquela época, propriamente ao final do século XVIII, houve o “período de terror”, instaurado pelo partido jacobino, que levou Robespierre a afirmar que o terror seria o alicerce da força do governo popular nos transcorrer de um período revolucionário (LIMA, 2017).
Renato Brasileiro de Lima, através das observações de Isaac Bigio, identifica que assim (combatentes da liberdade) eram chamadas as “forças insurgentes” à época da guerra fria, nelas incluídas as lideradas por Osama Bin Laden , o qual sustentou que o ataque terrorista acontecido em 11 de setembro de 2001, na sua concepção, se justificou em razão dos Estados Unidos serem uma nação terrorista (LIMA, 2017).
Para José Carlos Buzanello, os atos de terrorismo se constituem em “atos contra a vida, a integridade física das pessoas, destruição ou interrupção dos serviços públicos, ou apropriação de bens ou pessoas” (BUZANELLO, 2018).
Há ainda as distinções entre o terrorismo e o chamado terrorismo de Estado, que denomina situações nas quais governos se utilizam de atos impetuosos em desfavor de cidadãos, seja de modo direto, para a coação de dirigentes de outros países, seja fornecendo as condições necessárias para o desenvolvimento de um grupo terrorista em seu território, o que pode ocorrer para a prevalência de seus próprios interesses (LIMA, 2017).
É importante, do mesmo modo, particularizar os crimes de terrorismo e os crimes de genocídio, uma vez que tanto os primeiros quanto os últimos estão diretamente relacionados a fatos envolvendo elementos como nacionalidade, etnia, raça e religião. Assim, distinguem-se os atos de terrorismo e os de genocídio pelo bem jurídico tutelado .
No terrorismo, visa-se a proteção da paz pública, enquanto no genocídio há interesse na proteção da própria existência de um determinado grupo associado por questões nacionais, étnicas, raciais ou religiosas (LIMA, 2017).
A primeira lei a tratar do “terror” no ordenamento nacional foi a Lei nº 1.802/53, que definia os crimes contra o Estado e a ordem política e social e previa, em seu artigo 4º, inciso II, a punição àquele que praticasse “devastação, saque, incêndio, depredação, desordem de modo a causar danos materiais ou a suscitar terror, com o fim de atentar contra a segurança do Estado”.
Naquele contexto histórico que era marcado internacionalmente pela “Guerra Fria” , a denominada “Lei de Segurança Nacional’ , elaborada durante o governo de Getúlio Vargas, foi utilizada para reprimir o Partido Comunista Brasileiro e os movimentos sociais a ele ligados. No entanto, a lei não empregava o termo “terrorismo”.
A Constituição Federal da República de 1988 trata do terrorismo no artigo 4º, inciso VIII, e no artigo 5º, XLIII. Enquanto no primeiro dispositivo o repúdio ao terrorismo é erigido a princípio que rege as relações internacionais, o segundo consiste em mandado expresso de criminalização, através do qual, conforme ensina André de Carvalho Ramos (2014), exige-se que a proteção de direito fundamentais se dê, também, através do direito penal, sob pena de ser esta insuficiente.
Se no plano internacional o repúdio ao terrorismo revelasse na adesão do Brasil a diversos tratados relativos ao tema, no plano interno a criminalização do terrorismo ficou restrita, como exposto no item anterior, a um único dispositivo da Lei de Segurança Nacional, sem que a legislação pátria estabelecesse um conceito de terrorismo e tipificasse referido delito de forma mais detalhada e condizente com o fenômeno contemporâneo do terrorismo internacional.
Contudo, a proximidade da realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016 e a pressão internacional, exercida sobretudo pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI), alteraram este panorama e aceleraram o andamento do Projeto de Lei do Executivo nº 2.106/2015, que culminou com a sanção da Lei nº 13.260/2016. Referida lei, que criminaliza o terrorismo e seu financiamento, assim define o terrorismo no caput do artigo 2º :
O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
O. Juiz Marcelo Ovidio Lopes Guimarães, autor de uma das obras mais completas sobre o assunto no Brasil, “Tratamento Penal do Terrorismo” (2007), destaca quatro categorias básicas:
“1. O terrorismo político-revolucionário: criado no século XX com anarquistas e posteriormente praticado por guerrilheiros marxistas de diferentes vertentes (maoístas, trotskistas e leninistas);
2. O terrorismo de Estado: este é praticado pelo próprio Estado e seus atos terroristas podem ser direcionados contra a sua própria população ou contra a luta de população estrangeira.
3. O terrorismo de organizações criminosas: é um tipo de terrorismo mercenário, pois é desenvolvido mediante pagamento e os atos de violência praticados têm fins econômicos. Este tipo de terrorismo agiu no território africano nas décadas de 1960 e 1970, como também nos casos da máfia italiana, nos cartéis de narcotráfico da Colômbia e outros .
4. O terrorismo ideológico-religioso: este tipo de terrorismo é comumente aplicado por grupos religiosos fundamentalistas que promovem discriminação étnico-racial ou xenofóbica. Tais grupos geralmente empregam atos violentos que procuram causar grande temor nos grupos descriminalizados. É o tipo de terrorismo em voga na atualidade e que tem promovido o maior número de vítimas. Como exemplos podemos apontar a Al-Qaeda e mais recentemente o Estado Islâmico no Oriente Médio.”
Dentro da categoria do terrorismo político ideológico é possível destacar outro subgrupo, o terrorismo nacionalista. Este se caracteriza como oriundo de grupos que desejam formar um novo Estado dentro de um Estado já existente (separação territorial) ou libertar seu país do jugo estrangeiro, como, por exemplo, o grupo irlandês IRA, o grupo basco ETA e outros mais.
À luz de tudo que se expôs, é possível afirmar que a Lei nº 13.260/2016 adotou a maioria dos parâmetros internacionais para a definição do crime de terrorismo.

Referências

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